Guerra do Contestado: O confronto de peludos e pelados e o fanatismo religioso

           

           Na segunda década do século XX, Santa Catarina foi o cenário da Guerra do Contestado. Nela, os “pelados” (sertanejos), desafiaram os “peludos” (o Exército e as tropas dos coronéis).
         Os anos iniciais da República foram agitados, tanto na questão social, quanto na política. Mas, em especial na serra catarinense, o quadro foi agravado com a chegada das empresas Southen Lumber e a Brazil Railway. A chegada dessas empresas quebrou a rotina da região rural e fez com que os camponeses, afastados de suas origens e suas terras, fossem rejeitados pela população que morava na cidade. Foram perseguidos pelos milicianos da Lumber e da Brazil Railway.
          Diante desse cenário, eles não tiveram outra alternativa a não ser rumar para o sertão, a fim de buscar o seu sustento, por meio da coleta dos frutos das imbuias e dos pinheiros. Mas esta vida incerta teve o seu fim no mês de agosto de 1912, com as festas do Bom Jesus. A partir deste momento, os "caboclos" não se separavam mais e passam a seguir o “monge” José Maria.
       A respeito de José Maria, importante personagem do Contestado, é importante destacar que o “monge” pertencia a uma linhagem de profetas e afirmava ser irmão de “João Maria” nome de dois outros importantes monges do sertão meridional.
          De início, a reunião dos sertanejos em torno do “monge” José Maria, não parecia nociva. Mas com o tempo, tornou-se o estopim que ocasionou a Guerra do Contestado.
         A gota d’água para o começo do conflito foi a recusa de José Maria, também curandeiro, em atender ao chamando de um chefe político local - um coronel, que o convocou, a fim de que ele curasse uma pessoa da família deste influente político. A tensão gerada por essa recusa pode ser explicada pelo receio dos chefes políticos locais - que na ausência de uma presença efetiva do Estado, exerciam o controle dos acontecimentos e das pessoas que estavam em seu redor. Houve o temor de que o prestígio do "monge", demonstrado pelo grande número de pessoas que o seguiam, pudesse se constituir em uma ameaça concreta à ordem social vigente.
        Se aproveitando da situação, um coronel rival ao político, apoiou José Maria na sua recusa. O coronel se dizia aliado dos “caboclos". José Maria então não obedeceu ao chamado. De forma "insolente e autoritária", o “monge” respondeu que a distância da casa do coronel para a sua casa era a mesma. Com medo da represália por sua negativa ao chamado do coronel, e na tentativa de evitar um confronto, José Maria retirou-se com seus seguidores para o campo, chegando à área do estado do Paraná, que era contestada por Santa Catarina. Contudo, nesse momento de fragilidade, José Maria, ao contar a seus seguidores que iria começar em Irani, a guerra de São Sebastião – em alusão ao mito do rei Português, que desaparecido, voltaria como um guerreiro em defesa do seu povo (Sebastianismo) – e que iria morrer no primeiro conflito, mas retornaria em um ano com o exército de São Sebastião, concedeu aos seus seguidores o argumento necessário à condução dos conflitos futuros e pauta o caráter messiânico da guerra.
         No Contestado, (baseados no messianismo), os sertanejos seguiam um líder, que se dizia enviado por Deus e que pregava a justiça. De acordo com suas convicções, criou suas próprias leis. Por sua vez os fiéis, deram suas próprias vidas para que essa estrutura não fosse violada e esperavam o dia em que, após a sua morte, seriam incorporados ao exército de São Sebastião e voltariam vitoriosos à terra.
        A respeito das estratégias de combate utilizadas pelos sertanejos é importante destacar, que influenciada pelas histórias de Carlos Magno e dos pares de França, as lideranças dos sertanejos introduziram os pares de França em suas estratégias de combate.
           Depois da morte do beato José Maria, o lado dos “pelados” (sertanejos), teve muitos líderes e todos alegavam receber orientações expressas de José Maria. Curiosamente, o primeiro desses líderes, foi uma menina de 11 anos, chamada Teodora. Ela surgiu como líder um ano depois da morte do “monge". Teodora foi substituída por Manoel, seu primo de 17 anos, que por sua vez ficou pouco tempo no comando, pois se indispôs com a comunidade ao afirmar que José Maria havia ordenado que ele dormisse com duas virgens; em seguida a liderança coube a Joaquim, de 11 anos, sendo com ele a defesa vitoriosa ao primeiro ataque de forças oficiais a Taquaraçu. Joaquim, prevendo que Taquaruçu não suportaria outra investida dos “peludos”, ordenou a transferência da população para Caraguatá. Um mês depois disso Taquaruçu foi arrasado pela artilharia do Exército.
            Aqui é importante destacar que as armas de que dispunham os sertanejos eram precárias, talvez em função disso a forma preferida de combate dos sertanejos era o combate corpo a corpo, com armas brancas.
           A liderança em Caraguatá passou para Maria Rosa, de 15 anos. Maria Rosa, delegou algumas atribuições da liderança, instituindo funções tais como o comando de “reza”, de “formas” e de “abastecimento”. Sob sua liderança, os "pelados", derrotaram uma grande coluna do Exército, que contava com reforços da polícia catarinense. Contudo, um mês depois desse feito, uma epidemia de tifo forçou a transferência dos "pelados" para Bom Sossego. Maria Rosa então perdeu sua influência.
        O próximo líder, Chiquinho Alonso, havia sido um par de França e sob seu comando, o movimento alcançou sua máxima extensão. Um mês antes de sua morte, o movimento atingia uma área de 16 mil quilômetros, com cerca de 80 mil moradores. Nesse período, já existia um conjunto variado de chefias e uma heterogeneidade nos objetivos por elas perseguidos. Também par de França, Adeodato Ramos, o substituto de Chiquinho, teve que enfrentar, além do cerco do Exército, problemas de abastecimento, fome, doenças e conflitos internos.
         Na fase final do conflito e após a tomada de todas as vilas dos "pelados", a repressão passou a ser feita por vaqueanos que, literalmente, caçavam os "pelados" remanescentes.

Por Roselaine Passos

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